A maioria das mulheres cientistas desiste de suas carreiras – e a culpa é nossa

Um estudo alemão tentou entender por que as mulheres que começam a trabalhar com ciência abandonam suas pesquisas. Descobriu que a culpa é de fatores sociais
Por RAFAEL CISCATI
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No Brasil, 76% dos cientistas de nível sênior que recebem bolsas de pesquisa no país são homens / Foto: Piotr Pawłowski / photo on flickr

As mulheres desistem cedo de trabalhar com ciência. É uma desistência evidenciada por números: de acordo com dados do CNPq, um dos órgãos responsáveis pelo financiamento de pesquisas no Brasil, 76% dos cientistas de nível sênior que recebem bolsas de pesquisa no país são homens. Pesquisadores seniores são aqueles cientistas experientes, que já passaram pelo doutorado há alguns anos e conduziram trabalhos relevantes. Nesse grupo, há poucas mulheres. Entre os pesquisadores jovens, em início de carreira, a divisão é equitativa. Metade das bolsas financia mulheres. A conclusão? Conforme o tempo passa, as mulheres cientistas abandonam o laboratório, sem nunca atingir o topo de suas profissões. Isso é ruim para a ciência, e não acontece por falta de talento delas.

O problema não é exclusividade do Brasil. Em novembro, a Elsevier – uma grande editora de periódicos científicos, que publica revistas acadêmicas como a The Lancet – tentou descobrir por que as mulheres que começam a trabalhar na área não continuam. Analisou casos na Alemanha. Por lá, como no Brasil, as mulheres ingressam na universidade, fazem mestrado, doutorado e depois abandonam suas carreiras. As conclusões foram publicadas no estudo Mapping Gender in the German Research Arena (Mapeando questões de gênero na pesquisa alemã, em tradução livre). Apontam que pesam contra elas problemas muito semelhantes aos enfrentados por mulheres em outras profissões. As cientistas têm de resistir ao sexismo do ambiente de trabalho, e precisam equilibrar suas carreiras com a responsabilidade de criar filhos e cuidar da casa.

Na Alemanha, as pesquisadoras de nível médio – aquelas que publicaram seu primeiro estudo há cerca de 5 anos – publicam menos que seus colegas de sexo masculino. Em parte porque, além de trabalhar no laboratório, têm muito mais a fazer quando saem dele. A maioria delas tem entre 30 e 40 anos. Nessa época, homens e mulheres constituem família e têm filhos. Mas fica com elas a responsabilidade de cuidar das crianças. “Na Alemanha, a maioria dos casais diz que uma divisão igualitária das tarefas domésticas é o ideal”, diz Anke Lipinsky, pesquisadora do Centro para Excelência das Mulheres na Ciência – uma organização alemã que não participou do estudo. “Mas, no fim das contas, as normas sociais cobram que essa responsabilidade fique a cargo da mulher.” As pessoas acham compreensível que pais jovens varem a noite no laboratório. As jovens mães, por outro lado, precisam voltar para casa e cuidar das crianças. Além disso, diz Anke, o pai que pede uma rotina de trabalho mais flexível é mal visto – mesmo entre os cientistas.

O problema parece desaparecer quando os filhos ficam mais velhos. Mas, nesse ponto, muitas mulheres já foram deixadas para trás: pesquisadoras de nível sênior, com mais de 10 anos de carreira desde a primeira publicação, representam 19% dos cientistas alemães. Elas são poucas, mas produtivas – os trabalhos que fazem são tão citados quanto os trabalhos feitos por homens. No jargão dos cientistas, são trabalhos de mesmo impacto. É um sinal de que, se anos antes elas publicavam pouco, não era porque lhes faltava competência.

O problema não está apenas em casa. Há também questões relativas à dinâmica entre orientadores e suas orientandas. Os primeiros anos após o doutorado são importantes para definir o futuro de uma pesquisadora. É quando ela decide se vai continuar a se dedicar a pesquisa ou se vai mudar de carreira, diz o estudo da Elsevier. “E os orientadores tendem a oferecer menos apoio para as cientistas que para seus colegas homens”, diz Anke. Ao longo dos anos de formação, as mulheres são desencorajadas a seguir carreiras ou linhas de pesquisa identificadas como masculinas. Ainda faltam pesquisas para determinar qual o impacto do sexismo nessa fase da carreira. Acontece que ele é difícil de inferir – muitas vezes, ocorre de maneira velada: “Ninguém lhe diz que você não pode ser cirurgiã porque você é mulher”, diz a cientista brasileira Elisa Brietzke. “Eles dizem: ‘ah, eu acho que você tem mais aptidão para fazer pediatria, porque você se relaciona bem com crianças’.” Pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Elisa estuda transtornos psiquiátricos como esquizofrenia e transtorno bipolar. Pelo trabalho, foi uma das cientistas brasileiras que ganharam, em 2015, o Prêmio L’Oreal para mulheres na Ciência. Tem dois filhos pequenos e concluiu o doutorado há cerca de 5 anos. Para ser bem-sucedida na carreira, precisou superar a resistência do meio acadêmico à presença feminina: “Para você ser uma mulher e ser reconhecida por um aspecto técnico, você tem que ser triplamente boa. Você tem que ser melhor que o melhor homem da sua turma”.

Quando as mulheres deixam de fazer pesquisas, a sociedade sai prejudicada. O estudo da Elsevier também mostrou que as pesquisas lideradas por mulheres, em média, contam com mais colaborações internacionais. E que as equipes formadas por homens e mulheres são mais interdisciplinares – são capazes de explorar um mesmo problema pelo prisma de diferentes disciplinas.

Na Europa, governos e universidades tentam adotar medidas que retenham seus talentos femininos. As estratégias incluem planos de mentoria e workshops de planos de carreira, para ajudar as jovens cientistas a planejar e organizar seu futuro profissional; e a criação de sistemas de cotas em comissões e órgãos de decisão universitários, de modo a garantir melhor representatividade. “O papel da ciência é desafiar o conhecimento estabelecido. E maior diversidade de gênero nos ajuda a encontrar novas perspectivas para fazer isso”, diz Anke. “A qualidade do conhecimento gerado aumenta.”

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